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Jesus perguntou: Pedro, tu me amas? 3/4

  • Carlos Augusto S. da Fonseca
  • 30 de mar.
  • 9 min de leitura

Atualizado: 31 de mar.

O sentido do verbo amar expresso por filéo (verbo grego φιλέω)

Imagem iStock.com/ctar55

O objetivo desta série de quatro artigos é estudar e compreender a diferença entre os verbos agapáo (αγαπάω) e filéo (φιλέω).

Vimos que existe de fato uma diferença importante entre os significados dos verbos agapáo e filéo, embora sejam ambos traduzidos como amar na língua portuguesa.

No artigo 2/4 desta série, nos aprofundamos no sentido do verbo agapáo.

Neste artigo, vamos examinar o verbo filéo.


Introdução

Vimos, por meio da análise de versículos contrastantes no Evangelho de João, que o verbo agapáo (αγαπάω) se diferencia objetivamente do verbo filéo (φιλέω) pelo fato de as pessoas relacionadas estarem no mesmo local físico, isto é, de estarem próximas fisicamente. Vimos também que, por extensão, a ideia de presença ou proximidade com sentido espiritual também faz parte do contexto de agapáo, desde que se trate do amor entre o Pai e o Filho ou entre esses e os discípulos de Cristo.

Vimos, ainda, que o verbo agapáo, além do aspecto de proximidade entre as partes, tem um aspecto de ação. O amor ágape não é estático; ele está sempre ligado, de alguma maneira, à ação de fazer o bem.


O verbo filéo, por sua vez, tem um sentido bem diferente. Pela análise do texto bíblico e considerando o sentido de amar, pode-se verificar que ele está ligado, em sua essência, a uma escolha entre duas opções: se acaso essas opções se tornarem antagônicas, você terá de decidir por uma delas. Portanto, ele é um verbo estático, que designa o estar de um dos lados após uma escolha.

Em resumo, o verbo filéo tem o sentido de amar ligado a fidelidade, enquanto o verbo agapáo está ligado a bondade, como veremos neste artigo.

É importante ressaltar que filéo também tem um segundo sentido, que é beijar, com três ocorrências no Novo Testamento; porém, este artigo focará apenas o sentido de amar pertinente ao verbo.


I - Análise do verbo filéo a partir de Mateus 10:37


O verbo filéo tem dois significados principais: amar e beijar. Normalmente os dicionários não se aprofundam na diferença entre agapáo e filéo, até porque o texto bíblico aparentemente não facilita essa diferenciação. Entretanto, vimos que há uma diferença clara, especialmente ao examinar os grupos de versículos que alternam esses verbos no Evangelho de João. Naqueles versículos é possível identificar a característica essencial do verbo agapáo (queira ver os dois primeiros artigos, que tratam desse ponto).


Com relação ao verbo filéo, uma análise do contexto bíblico mostrará a sua característica principal e a sua diferença em relação ao verbo agapáo. Para tanto, vamos analisar o texto de Mateus 10:37, citado a seguir.

37 Quem ama seu pai ou sua mãe mais do que a mim não é digno de mim; quem ama seu filho ou sua filha mais do que a mim não é digno de mim; Mateus 10:37

Esse versículo, na língua original do Novo Testamento, é escrito assim (destaquei o verbo filéo e explico em seguida):

37. Ὁ φιλῶν πατέρα ἢ μητέρα ὑπὲρ ἐμέ, οὐκ ἔστι μου ἄξιος· καὶ ὁ φιλῶν υἱὸν ἢ θυγατέρα ὑπὲρ ἐμέ, οὐκ ἔστι μου ἄξιος·

O verbo filéo está no particípio presente: ho filôn ( φιλῶν), destacado em vermelho. Essa expressão significa literalmente "o amante", forma utilizada no grego com o sentido de quem ama. Desta forma, a tradução é quem ama o pai ou a mãe... quem ama o filho ou a filha... .


Questões

  1. Há contradição nesse versículo com os mandamentos de Deus (honrar pai e mãe e amar o próximo como a si mesmo)?

  2. Qual é o ensino que Jesus quis nos dar nesse versículo?

  3. Por que Jesus não usou o verbo agapáo, mas sim o verbo filéo, nesse versículo?

  4. Qual é o real significado do verbo filéo?



O que o verbo filéo não é

Há dois pontos importantes a considerar nessas palavras de Jesus antes de se analisar o contexto do verbo filéo em Mateus 10:37.

O primeiro ponto importante é que Jesus não usou o verbo agapáo, mas sim o verbo filéo. Os mandamentos do amor ao próximo e do amor a Deus usam o verbo agapáo, conforme já visto nos dois artigos anteriores a este.

Considerando que filéo tem significado próprio e que difere do significado de agapáo, como será demonstrado no próximo tópico, e considerando também que o verbo agapáo expressa os mandamentos do amor e que Jesus não o utilizou nesse texto, conclui-se que o dever de obedecer aos dois maiores mandamentos das Escrituras não está em questão em Mateus 10:37.

Dessa forma, em Mateus 10:37, Jesus não impõe limites ao mandamento de amar o próximo como a si mesmo ordenado por Deus. Ao contrário, amar ao próximo é também amar a Deus - 1João 4:7-12,16,20-21; 5:1.


O segundo ponto refere-se ao mandamento que diz que o filho deve honrar seu pai e sua mãe: ele também não está em questão no versículo. Pode-se afirmar que, em Mateus 10:37, Jesus não excluiu o dever de honrar pai e mãe, pois a desobediência seria uma contradição: seria não amar a Deus.

O Senhor deixou isso claro em Mateus 15:3-6, quando acusou os fariseus de invalidarem o mandamento de Deus de honrar pai e mãe por causa de uma tradição religiosa deles.


Portanto, em Mateus 10:37, Jesus não ordenou que se amasse menos o próximo nem que se deixasse de honrar pai e mãe. Permanecem sempre esses dois mandamentos:

19 honra a teu pai e a tua mãe e amarás o teu próximo como a ti mesmo. Mateus 19:19

Análise do Contexto de Mateus 10:37

O versículo está inserido em Mateus 10:32-39, que trata do envio por Jesus dos seus discípulos, para evangelizarem e operarem milagres em seu nome, e da exortação para tomarem cuidado e estarem alertas sobre as dificuldades que eles enfrentariam.

Como Jesus foi perseguido e martirizado, os seus discípulos enviados a pregar o Evangelho também sofreriam essas mesmas tribulações. Eles seriam presos e entregues aos tribunais, mas isso seria para testemunho perante governadores e gentios, pois o Espírito Santo lhes ensinaria o que falar naquela hora (Mateus 10:17-20). Eles seriam perseguidos e presos, e até sofreriam a morte (Mateus 10:21-25). Em Mateus 10:26-33, Jesus encoraja os seus discípulos e fala a eles acerca da recompensa eterna.

Mas o contexto mais imediato vem na sequência, em Mateus 10:34-39. Nesses versículos, Jesus esclarece que as dificuldades não viriam só de fora, mas que os inimigos do homem seriam os de sua própria casa (Mateus 10:34-36). Haveria tempo em que um irmão entregaria à morte outro irmão, e o pai ao filho, e os filhos se levantariam contra os pais e os matariam, conforme dissera em Mateus 10:21.

A mensagem em Mateus 10:37 é que somente é digno do Senhor aquele que permanecer ao seu lado (isto é, não negar o seu nome) em toda e qualquer situação, sabendo que as recompensas são a vida eterna e as riquezas espirituais imensuráveis de Cristo.

Portanto, o contexto de Mateus 10:37 é de escolha e decisão diante de uma situação desafiadora, quando Jesus diz que quem amar o pai ou a mãe, ou o filho ou a filha, mais do que ele, não é digno dele.


A conotação pertinente a amar no verbo filéo

Observe que Jesus não se referiu a todos os pais e filhos ao mesmo tempo em Mateus 10:37, pois ele mencionou um ou outro: quem ama o pai ou a mãe mais do que a mim... quem ama o filho ou a filha mais do que a mim... O sentido não é de totalidade, mas de eventualidade. Em outras palavras, se acaso o seu pai ou sua mãe, ou o seu filho ou a sua filha se colocar como inimigo de Cristo em uma situação que lhe obrigue a negar o nome do Senhor, você deverá decidir pelo Senhor, isto é, deverá amar (filéo) mais o Senhor do que o seu familiar (contudo, sem deixar de amar (agapáo) esse ente querido).


Como o Senhor disse em Mateus 10:21,22, haverá tempo em que os discípulos serão odiados por todos e que um ou outro familiar se colocará como inimigo de Cristo e, por consequência, como inimigo do seu parente que seja discípulo de Cristo. Eles serão entregues à morte pelos seus próprios familiares por serem fiéis a Cristo.

Jesus mencionou pais ou filhos como de ênfase. Ele usou as pessoas dos familiares mais amados para enfatizar a importância de permanecer fiel à Palavra de Deus e ao testemunho de Cristo em qualquer situação: ainda que o perseguidor seja um pai ou uma mãe, ou um filho ou uma filha, o discípulo deve permanecer na Palavra de Deus e confessar o nome de Jesus Cristo diante dos homens e das autoridades terrenas. Ele não deve retroceder, ainda que seja por causa do seu familiar mais amado (agapetós), mas deve permanecer ao lado do Senhor: amá-lo (filein, filéo) acima de todas as circunstâncias.

Em resumo, o permanecer ao lado de Cristo como decisão, com renúncia dos benefícios que teria da parte perseguidora, é amar mais a Cristo do que a outra parte, e esse sentido do verbo amar é expresso pelo verbo grego filéo. Por outro lado, não deixar de amar o outro, que é o perseguidor, para fazer-lhe o bem e obedecer aos mandamentos de Deus, é amar com a expressão do verbo agapáo.


Conclusões

1. O verbo filéo tem um sentido próprio dele

A mensagem de Mateus 10:37 é esta: diante do desafio de se manter fiel a Cristo, o discípulo deve decidir permanecer com Cristo (do mesmo lado da Palavra e do testemunho) e, para isso, deve renunciar ao caminho exigido pelo seu parente amado. A covardia levará o discípulo a negar a Cristo e permanecer ao lado do parente: é a isso que Jesus se referiu com relação a quem ama mais ao pai, à mãe, ao filho ou à filha do que a Cristo quando usou o verbo filéo no sentido de amar (quem ama seu pai ou ... mais do que a mim, não é digno de mim).

 

Entretanto, como visto acima, Jesus não excluiu o dever de honrar pai e mãe nem o dever de amar o próximo como a si mesmo, que é expresso pelo verbo agapáo: todos os familiares estão abrangidos por esse dever de amar, não importa se algum deles se coloque como amigo ou como inimigo (Mateus 5:44-48).


O verbo agapáo não se aplica a Mateus 10:37, pois o amor expresso por esse verbo aplica-se ao amor ao próximo e ao amor a Deus, pelo que esses mandamentos devem permanecer inabaláveis, independentemente da situação de amizade ou inimizade proveniente da outra parte.


Diante disso e da análise do contexto, ficou demonstrado que o verbo filéo tem o sentido de amar com característica específica e própria dele, cuja conotação é de estar ou decidir estar de um lado, ao invés de outro.


2. Os verbos agapáo e filéo são independentes entre si

Alguém pode amar (com sentido de filéo) a Cristo ao aprovar o Evangelho e não estar contra Cristo, mas não o amar (com sentido de agapáo) por não conhecê-lo espiritualmente por meio de um novo nascimento (João 3:3) - aqui, vale lembrar que amar com sentido de agapáo indica proximidade ou aproximação, como visto nos dois primeiros artigos, e que, por Jesus Cristo, o Espírito de Deus habita (há a ideia de proximidade) no que crê e os torna seus filhos (João 14:6,7,23; Romanos 8:14-16).

Por outro lado, um discípulo de Cristo pode não amar (com o sentido de filéo) certas pessoas, isto é, não segui-las, não aprová-las, para não ser participante dos seus pecados (Salmo 1:1; 1 Coríntios 5:9-11), mas amar (como o sentido de agapáo) essas pessoas com compaixão (2 Tessalonicenses 3:14,15; Mateus 22:39) para fazer-lhes o bem ou ajudá-las a se aproximarem de Deus.


3. Os dois verbos têm papéis diferentes e importantes na vida cristã

O sentido de amar do verbo filéo não admite concorrência com Cristo. Isto é, se acontecer de alguém ou alguma coisa se colocar contra Cristo e contra o testemunho da Palavra de Deus e que isso obrigue o discípulo a tomar uma decisão, o amor filéo deve ser maior por Cristo. Neste caso, não pode haver igualdade no amor filéo, pois ninguém consegue servir bem a dois senhores (Mateus 6:24). Isso não significa que o amor ágape (derivado de amar no sentido de agapáo) tenha de ser menor.

Quanto ao verbo agapáo, não há disputa entre o amor pelas pessoas (cristãs ou não) e o amor por Deus: eles não se opõem, mas um depende do outro. Ninguém pode odiar o irmão e amar a Deus ao mesmo tempo. Pode eventualmente ocorrer de o amor ágape ser menor pelo Senhor do que pelas pessoas, mas o que se espera é que ele cresça mais e mais até ser igual ao amor de Cristo por nós (João 15:12,13; Efésios 5:25-28; 1 Tessalonicenses 3:12; Filipenses 1:9; 2 Pedro 1:5-10).


O amor expresso pelo verbo filéo exige renúncia e decisão diante de um confronto e não pode ser igual ou maior do que o amor a Cristo, enquanto o amor expresso pelo verbo agapáo deve crescer mais e mais até chegar ao mesmo nível do amor de Cristo pela igreja.


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Referências Bibliográficas


Novo Testamento trilíngüe: grego, português e inglês. Editor Luiz Alberto Teixeira Sayão. São Paulo: Vida Nova, 1998.


FRIBERG, B.; FRIBERG T.. O Novo Testamento Grego Analítico. São Paulo: Ed. Vida Nova, 1987.


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